Nunca me esqueço a primeira vez que li estas palavras de S. Leonardo que me gravaram profundamente no meu coração: “Vale mais assistir devotamente uma Missa do que jejuar o ano inteiro de pão e água!”.

Na altura era um sacerdote recém ordenado e por graça deste sacramento tinha um imenso respeito pela Santa Missa e um grande desejo de aprofundar no seu mistério. Essas palavras de S. Leonardo reverberaram na minha alma como que dizendo: “É isso mesmo! A Missa tem um valor extraordinário, indizível. Pena que poucas pessoas o saibam. Eu mesmo ainda tenho muito que aprofundar. Imagine só, como diz S. Leonardo, passar trezentos e sessenta e cinco dias num ano alimentando-se apenas de pão e água! Deve ser terrível! E assistir devotamente uma Missa vale mais do que isto! É que a Missa tem um valor incalculável!”

Além do valor incalculável, a Missa é um grande mistério. Não há palavras para descrever o que ocorre a partir do momento em que o sacerdote dá início à celebração da Missa. Imaginem que por algum poder sobre humano pudéssemos, ao cruzar uma porta ou um túnel, entrar numa outra dimensão, como o túnel do tempo naquele famoso seriado dos anos oitenta que transportava os que entravam dentro dele para uma outra época histórica. Pois, o que ocorre na Santa Missa, apoiados na fé, na doutrina da Igreja e nos ensinamentos dos santos, é exatamente isso[i]. A Missa é um túnel que nos transporta não só para dois mil anos atrás, para o momento em que Cristo morreu na Cruz, como nos faz estar em presença da Santíssima Trindade, de Nossa Senhora, de S. José e todos os santos que estão no Céu; assim como de todos os anjos, querubins, serafins, miríades e potestades, etc; assim como de todas as almas que estão no Purgatório que a assistem devotamente esperando pelos frutos de cada Missa para serem purificadas dos seus pecados e assim irem o quanto antes à glória eterna. As almas que estão no Céu, por outro lado, alegram-se imensamente quando começa a Santa Missa, pois ainda estão pasmas de verem que por ela nos veio a salvação e a salvação de cada ser humano que passou por esta terra e vêem nela o grande momento de louvar a Deus e de pedir por cada um de nós que está a caminho da pátria definitiva.

Justamente por isso, S. João Maria Vianney, o famoso Cura d’Ars, dizia que o Céu se abre toda vez que começa uma Missa. Os anjos se alegram. Para a Santa Missa pode-se aplicar perfeitamente aquelas palavras que S. Paulo utilizava na Carta aos Hebreus: “Vós não vos aproximastes de uma realidade palpável (…) mas vos aproximastes do Monte de Sião, e da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste, de milhões de anjos reunidos em festa e da assembléia dos primogênitos, cujos nomes estão inscritos nos Céus, e de Deus, o Juiz de todos, e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição, e de Jesus, Mediador de uma Nova Aliança, e do sangue da aspersão mais eloquente que o de Abel” (Heb 12, 18-24).

Agora podemos nos perguntar: por que Deus nos transporta para o momento da sua morte junto com os eleitos do Céu e as almas do Purgatório? A resposta é simples. A Missa é como um grande tesouro. Todos nós precisamos dele para sobreviver, para ter forças para alcançar o Céu. Cada vez que vamos à Missa podemos pegar quantos lingotes de ouro quisermos, sem pagar nada, para nós e para todas as pessoas que desejarmos. Sem esses lingotes de ouro, fica muito difícil viver e salvar-nos. Quem não se aproximaria de uma praça pública todo domingo sabendo que lá estão sendo distribuídos gratuitamente lingotes de ouro? A diferença, no caso da Missa, é que o que é distribuído é infinitamente maior do que uma barra de ouro. São os dons divinos. Os dons dAquele que criou o ouro, nós, e tudo o mais.

A Missa é um grande, um enorme tesouro, um tesouro incalculável. Além disso, a Missa é um momento em que Deus conta de modo especialíssimo para que o ajudemos a salvar o mundo. O que significa isto? Imaginem que agora mesmo estivéssemos ao lado de Nossa Senhora, há dois mil anos atrás, presenciando a morte de Cristo. Imaginem que Deus olhasse para nós e dissesse do alto da Cruz: “Meu filho, minha filha, chegue mais perto. Fique ao lado da minha mãe, da tua mãe[ii]. Acompanhe a mim e à minha mãe na ação de salvar este mundo. Vamos rezar por todos, para que todos se salvem. Veja só, não são tantos que me adoram, apesar de Eu tê-los criado. Vamos adorar em nome deles para que eles se salvem. Não são tantos os que agradecem tudo o que receberam na vida, apesar de Eu ter-lhes dado a vida e tudo o que precisam. Vamos agradecer em nome deles para que eles se salvem. Depois são tantos os que me ofendem diariamente cometendo pecados contra mim e contra o próximo. Ajudai-me a pedir perdão por eles. Além disso, são tantos os que precisam dos meus dons e não há ninguém que pede por eles. Ajudai-me a pedir por eles e por aqueles que já pedem, mas precisam de mais graças, de mais súplicas. Ajudai-me a pedir pela saúde daqueles que estão enfermos, ajudai-me a pedir por aqueles que estão abandonados e não têm amor na terra, ajudai-me a pedir por aqueles que perderam a família, por aqueles que estão obstinados na incredulidade, que não querem abrir o seu coração a Mim que sou Água viva[iii], que sou a Luz do mundo[iv], que dou cem vezes mais do que o mundo dá[v]. Ajudai-me a pedir por aqueles que estão há tantos anos sem se confessarem; que se afastaram de Mim e já se esqueceram de quanto a minha presença traz felicidade. Como eu gostaria que pedissem perdão através do sacramento da confissão para lhes poder comunicar novamente os meus dons. Ajudai-me a pedir por tantos e tantos dons que os meus filhos precisam e, sobretudo, a salvação”.

É isso que Deus quer que façamos em cada Missa! De um modo misterioso nos transportamos ao Calvário para “morrer” junto com Cristo. Para oferecer as nossas obras da semana e colocá-las junto com a Hóstia de Nosso Senhor. Oferecer a nossa vida, a nossa alma, o nosso coração durante a Missa para ajudar Cristo a pedir pelas almas, para obter o auxílio que necessitam, para conduzi-las à salvação. Devemos fazer isso não só porque Cristo nos pede, mas porque como nos ensina S. Paulo, pertencemos a um Corpo Místico, o Corpo Místico de Cristo. Onde Cristo é a cabeça e nós somos os membros. E tudo que Cristo faz, nós fazemos junto. Por isso, o sacerdote, depois do Ofertório, quando se volta para o povo, diz: “Orai irmãos e irmãs para que o nosso sacrifício seja aceito por Deus Pai todo poderoso”. Assim, não é só Cristo que se oferece na Cruz, mas somos, devem ser, todos nós.

Só pelo que dissemos até agora, a Missa já teria um valor incalculável. Mas é ainda maior. Nela, no final, recebemos o próprio Deus como alimento. Receber os dons divinos já é uma graça superior a todos os bens terrenos. Mas receber a Hóstia consagrada é a maior graça que existe. Pois nela recebemos o autor da graça, o Criador do Céu e da terra, a fonte de todos os dons divinos. Por isso que a Missa tem também esse aspecto festivo e é celebrada com cânticos, com imensa alegria. A alegria de entrarmos na Casa de Deus, a alegria de passarmos uns momentos, de modo especialíssimo, junto com a Santíssima Trindade, a alegria de receber o próprio Deus na nossa alma.

Tendo presente tudo o que dissemos acima, se entende que os primeiros cristãos dissessem que não podiam viver sem a Missa. Vale a pena que lembremos esta história.

No século III o imperador Galério, numa perseguição desferida contra à Igreja, proibiu todas as manifestações de culto e ordenou que se fechassem todos os templos. Os soldados do imperador prenderam 34 homens e 19 mulheres porque foram pegos assistindo à Santa Missa. Compareceram todos à presença do imperador, e este, ao saber do “crime”, mandou açoitar um deles. Nisso, uma jovem cristã se aproximou do imperador e lhe disse:

– Por que você só açoitou um de nós. Todos nós somos cristãos. Todos nós estávamos assistindo à Missa. O imperador indignou-se e mandou açoitá-la também.

Em seguida, um senhor mais velho também se aproximou do imperador e lhe com dignidade:

– Por que você nos pune? Não somos ladrões nem assassinos. Nós cumprimos a lei de Deus.

– Não existe outra lei além da minha -disse o imperador-, perturbado com o domínio e segurança daqueles cristãos.

As torturas a que foi sujeitando uns e outros não só não os intimidavam, mas os acendiam mais e mais no zelo e no desejo de serem testemunhas de Cristo.

Aproximou-se ainda outro e lhe disse:

– Eu também sou discípulo de Cristo. Era na minha casa que a Missa estava sendo celebrada.
– E por que você deixou que isto acontecesse, conhecendo a minha proibição?

– Porque nós acreditamos que acima da autoridade de César, está a autoridade de Deus. E, além disso, nós, cristãos, não podemos viver sem a Missa.

Esgotado e com a sensação de fracasso, o imperador ordenou que os encarcerassem no calabouço e os deixassem morrer de fome. E assim aconteceu; tudo porque “não podiam viver sem a Missa”. Que bom seria que também pudéssemos dizer o mesmo, fruto de um aprofundamento no seu mistério, e como todo mistério, nunca o abarcaremos totalmente. Essa é a sensação que temos, aos olhos da fé, quando estamos diante da Missa: estamos diante de um grande mistério que se confunde com o mistério de Deus, do seu amor, das suas obras. Não podemos entendê-lo completamente, mas sim podemos admirá-lo e compreendê-lo cada vez mais. Que este livro seja uma ajuda neste sentido.

Convido agora a todos a entrar neste mistério. Acompanharemos cada passo da Santa Missa imaginando o que estaria acontecendo naquele momento. Serviremos para isso de palavras e imagens. Que estas palavras e imagens sejam apenas um empurrão para se alcançar, com a ajuda da graça, a plenitude deste mistério.

* * *

[i] É o que afirma, por exemplo a Encíclia Ecclesia de Eucharistia nas seguintes palavras contidas no n. 11: “A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por excelência, porque dom d’Ele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação. Esta não fica circunscrita no passado, pois « tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente ». Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e « realiza-se também a obra da nossa redenção »”. Veja também o n. 12: “A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto atual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, « o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício ». Já o afirmava em palavras expressivas S. João Crisóstomo: « Nós oferecemos sempre o mesmo Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o sacrifício é sempre um só. […] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima que então foi oferecida e que jamais se exaurirá ». A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a celebração memorial, a « exposição memorial » (memorialis demonstratio), de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se actualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrificial do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao sacrifício do Calvário.

[ii] “Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa” (Jo 19, 26-27).

[iii] “Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva” (Jo 4, 10).

[iv] “Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8, 12).

[v] “Respondeu-lhe Jesus. “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10, 29-30).