Por Padre Paulo M. Ramalho
1. Introdução
Lembro-me uns anos atrás quando, estudando filosofia, consegui provar a existência de Deus, não como mérito próprio, mas seguindo os passos de dois grandes filósofos: Aristóteles e São Tomás de Aquino.
A sensação naquela hora foi indescritível. Por formação religiosa, pela fé e pela observação da natureza, eu já tinha a crença de que Deus existia.
De fato, muitas pessoas têm essa crença movidas pelo dom da fé e também pela observação da natureza. De fato, quando olhando para a natureza, para a harmonia do universo, e também para outras realidades como o sentido da vida, a busca insaciável da felicidade, as leis do universo etc, algo nos diz que há um ser por trás de tudo isso. Olhando para realidades como essas, por intuição, muitos de nós damos o salto para acreditar num ser superior.
Se imaginamos o universo como um plano inferior, a intuição religiosa é algo que olhando para determinadas realidades existentes no universo, damos um salto para um plano superior chegando a Deus como causador de tudo isso.
A intuição é algo muito bom, mas não dá uma segurança muito grande para nós. Nós, seres humanos racionais, precisamos de provas racionais.
Que bom seria, nesse sentido, se partindo daquele plano inferior que falamos acima, conseguíssemos fazer um encadeamento lógico-racional até chegar ao plano superior, isto é, a Deus, ou seja, até chegar a provar a sua existência.
Pois esse encadeamento lógico-racional foi feito por Aristóteles (384-322 aC) e muitos anos depois, e aprimorando o raciocínio, por São Tomás de Aquino (1225-1274 dC).
Que tal seria se seguíssemos o raciocínio destes grandes gênios da filosofia?
2. Seguindo os passos de Aristóteles e São Tomás de Aquino
Após décadas estudando filosofia, ainda fico embasbacado com o gênio de Aristóteles. Na minha opinião é um dos maiores gênios de toda a história mundial.
Como aqui se trata de falar apenas da prova racional da existência de Deus, e de modo mais simples e sucinto possível, para que ninguém dê a desculpa de que provar a existência de Deus é muito complicado e muito extenso, vou falar de Aristóteles apenas no que diz respeito ao nosso tema. Um conhecimento maior de Aristóteles fica a cargo de cada um de vocês. Se querem uma sugestão de livro, sugiro estudá-lo através da história da filosofia do Giovanni Reale ou do Frederick Copleston.
Para seguir os passos de Aristóteles, vamos precisar entender antes estes conceitos que são extraídos olhando a realidade: o conceito de ente, o conceito ou princípio de identidade, o conceito de ato e potência, o conceito de movimento e o conceito de “ato de ser”.
Todos estes conceitos estão dentro do âmbito da metafísica, que é o terceiro grau de abstração. A metafísica foi fundada por Aristóteles. Mais uma vez vemos aqui que ele é um gênio. Vamos imaginar que estamos olhando para uma maçã. Conhecer é abstrair ou ver dentro. Podemos olhar para a maçã desde o ponto de vita da física, da biologia, da química. Quando eu a olho assim, estou fazendo uma abstração: estou deixando a maça em si de lado e estou olhando para determinadas qualidades dela. Mas podemos ir além: olhá-la do ponto de vista da matemática. Dentro deste ponto de vista, já não interessa o seu peso, a sua cor, a sua composição química, se é uma angiosperma etc. Só me interessa que é uma maçã. Mas podemos dar mais um passo: ver que ela existe, que ela é um ser. Neste âmbito fica de lado o Primeiro grau de Abstração e o Segundo grau de Abstração. E agora eu posso analisar o ser dela. Este é o âmbito da metafísica.
a) o conceito de ente
Chama-se ente tudo aquilo que tem ser, tudo aquilo que existe. Ente é, portanto, uma pedra, uma maça, uma célula, um fio de cabelo, uma árvore, um planeta. Tudo isso existe. Até as próprias ideias existem. Não como as demais coisas que mencionamos. Se elas não existissem, não poderíamos fazer menção a elas. Chamamos as ideias de “entes de razão”.
b) princípio de identidade (ou da não-contradição)
O princípio da identidade diz que “algo (e quando dizemos algo estamos dizendo qualquer coisa que existe) não pode ser e não ser ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto”.
Este princípio foi captado por Parmênides (530-460 aC). Este é um princípio absolutamente fundamental que funda toda a ciência e todo raciocínio lógico.
Vamos dar alguns exemplos:
– uma pedra não pode ao mesmo tempo existir e não existir; ou ela existe ou ela não existe;
– uma pessoa não pode estar ao mesmo tempo falando e não falando; ou ela está falando ou não está falando;
– um cavalo não pode estar ao mesmo tempo andando e não andando; ou ele está andando ou não está andando;
– pensando em algo abstrato: um número não pode ser ao mesmo tempo 0 e 1; ou ele é zero ou ele é um.
Podemos dizer este princípio de outra maneira: “o que é, é; o que não é, não é”.
Espero que vocês tenham entendido este conceito. Ele é realmente a base de tudo, de todo raciocínio, de toda ciência. Temos que agradecê-lo ao sábio Parmênides.
c) conceito de ato e potência
Estes conceitos nós devemos ao gênio Aristóteles.
Aristóteles capta estes conceitos ao tentar entender o movimento.
Antes de Aristóteles existiu um sujeito chamado Heráclito que disse que tudo está em movimento, tudo está em transformação. Uma semente não continua semente, ele cresce, vira planta. Uma folha de uma planta não fica estática, ela fica amarela, ela apodrece. Uma pessoa não fica parada, ela anda, vai de um lugar para outro. Um rio não fica parado, se movimenta, segue a correnteza etc. Famosa frase de Heráclito: “ninguém toma banho no mesmo rio”.
Parmênides, ao ouvir essa história, não gostou muito e começou a pensar, a refletir. É como se ele falasse: espera aí, vamos pensar com calma, vamos começar tudo de um princípio, de uma base. Qual é a base? A base é essa: todas essas realidades que estamos falando, existem; se existem, tem ser. Mas espera aí, se tudo o que existe, tem ser, então as coisas não mudam, a mudança é mera ilusão. Por que as coisas não mudam? Muito simples, porque o que é mudar para as coisas que existem, que têm ser? Bom, se existe, mudar é deixar de ser, não existir. Isso mesmo, mas o que é “não existir”? “Não existir” é nada, pois algo que não existe, é nada. Ora se mudar, portanto, é passar do ser para o não ser, e o não ser não existe, então não há mudança. Mudar também, dirá Parmênides, é fazer que algo seja, depois não seja, depois seja. Ora, dirá ele: isso é absurdo, pois o que é, é, e o que não é, não é. Assim Parmênides chega a duas conclusões incríveis: o movimento não existe e se vemos o movimento é que este mundo é ilusório e, no fundo, isso nos mostra que existem dois mundos: o do pensamento, que é o mundo real onde concluímos que não há mudança e o mundo que vemos com suas mudanças e transformações, que é aparente, ilusório.
Quando Aristóteles se inteira destas ideias de Parmênides e de Platão, que segue uma linha semelhante, não conseguiu aceitá-las. Começando a refletir chegou a uma conclusão de que Parmênides estava cometendo um grande erro, levando a outro maior ainda que era dividir este mundo em dois. Seu grande erro era considerar a mudança a passagem do ser para o não ser, como se só houvesse essa possibilidade. É como se Aristóteles pensasse assim: vamos considerar que o mundo que existe é este que vemos, com suas mudanças e transformações. Vamos imaginar uma folha que está pequenininha e dali a dois dias aumentou de tamanho. O que aconteceu com ela? Ela era de um tamanho e passou a ter outro. E o que permite que ela passe por isso? O que permite é que seu ser não é como uma bolinha de chumbo, por assim dizer, que sua única mudança seja deixar de existir. Seu ser é como que imperfeito, passível de transformações, de adquirir perfeições e perdê-las. Os seres que nós vemos, que existem, que estão sujeitos a mudanças, a transformações, são seres não perfeitos como um todo e, portanto, sujeitos a adquirir perfeições.
Foi pensando nessas ideias que lhe veio o conceito de ato e potência. Ato seria uma perfeição, potência seria a capacidade de atingir determinada perfeição.
Vamos voltar ao exemplo da folha. O que permite que a folha se transforme, seja sujeita a mudanças? É que seu ser não é perfeito como um todo, a folha está em potência, em potência de adquirir ou perder determinadas perfeições. Está em potência de crescer, está em potência de mudar de cor, está em potência de se robustecer etc. Ato, nesses casos, seria o crescer, o mudar de cor, o robustecer.
Com os conceitos de ato e potência Aristóteles agora, de forma genial, explica todos os tipos de movimento, de mudanças, de transformações que ocorrem nos seres. Dirá também que nessas mudanças, algo permanece e algo muda. O que permanece, ele chama de substância, e o que muda, ele chama de acidentes. Aquela folha quando muda de tamanho, permanece a sua substância de folha e muda o acidente tamanho. A folha é a mesma, tem a mesma substância, e o que muda é algo acidental, o seu tamanho. Aí Aristóteles vai enumerar nove tipos de acidentes que existem na natureza. Mas não vem ao caso aqui entrar nessa questão. Genial, não é verdade?
d) conceito de movimento
Quem definirá o que é movimento? Só poderia ser Aristóteles, não é verdade. Também agora ele tem a faca e o queijo na mão. Aristóteles, então, definirá o movimento como “o ato do ente em potência enquanto em potência”.
Para entender, vamos dar outro exemplo agora. Vamos imaginar que uma pessoa está parada e quer chegar ao outro lado da rua. Quando a pessoa está parada ela está em potência de chegar do outro lado da rua. Começando a andar, ela vai deixando de ser mera potência de chegar do outro lado da rua até que atinge essa perfeição concreta que é chegar do outro lado da rua. Antes ela estava em potência disso e agora está em ato disso. Assim, o movimento dela foi “o ato (de chegar do outro lado da rua) da pessoa em potência (de chegar do outro lado da rua) até o momento de ser atualizada ou cessar a potência (chegar do outro lado da rua). De forma simplificada podemos dizer que o movimento é a passagem da potência ao ato.
Algo importante que devemos dizer também é que o que provoca o movimento é o ato. Se algo está em potência, o que move esta potência, é algo que está em ato. Se eu estou em potência de falar, não sairei dessa potência de falar se não aparecer um ato de falar. Minha boca que está em potência de falar, por exemplo, será movida se o músculo transmitir à boca o ato de falar. Se este ato não aparecer, a boca continuará só em potência de falar.
Muitos de vocês que não estudaram filosofia nunca pensaram nisso. Mas isso foi pensado já há mais de dois mil anos e é absolutamente genial e profundo. Essa é a base para entender todos os tipos de movimento, de mudança, de transformação, seja de que tipo for: físico, químico, biológico, metafísico, no plano mental etc.
e) conceito de “ato de ser”
Aristóteles olhando para o ser, para o ser que se transforma, cunhou o conceito de ato. Séculos mais tarde, São Tomás de Aquino, estudando Aristóteles, deu um novo salto fenomenal: juntou o conceito de ato e o conceito de ser.
São Tomás, vendo que tudo que existe, tem ser, vendo que o ser está na base de tudo, vendo que a realidade nos mostra seres com mais perfeição e menos perfeição, visualizou com profunda intuição os seres das coisas, de um pássaro, de uma planta, de um animal, de um homem, como a maior perfeição que eles possuem e deles vindo todos os movimentos. Viu todas as coisas como tendo um “ato de ser” e desse ato vindo todas as transformações. Viu, então, que o ser é o ato de todos os atos. O ato primeiro e fonte de todos os outros.
Vamos imaginar um exemplo. Vamos imaginar que estamos olhando para uma pessoa na nossa frente, o João. O João, antes de mais nada existe, não é verdade? E o João vai andar, vai falar, vai se alimentar, vai pensar etc. Todas essas realidades são movimentos, não é verdade? E o movimento é provocado pelo ato, como já vimos acima. O que viu Tomás de Aquino? Viu que o ser, que está na base de tudo que existe e, portanto, do João, é o seu ato primeiro e fundamental e o responsável por todos os seus movimentos, inclusive o movimento de existir. O ser é, portanto, o gerador de todos os movimentos.
Vamos ver daqui a pouco como essa intuição foi importantíssima.
3. Agora precisamos dar um passo fundamental. Já temos a base para isso. Precisamos provar algo que Aristóteles captou e que é fundamental para provarmos a existência de Deus: “que tudo o que se move, é movido por outro”
Essa afirmação é um pouco estranha, não é verdade? Se vocês não estudaram filosofia, vocês provavelmente nunca pensaram nisso.
Aliás essa expressão soa muito estranha mesmo, pois não é o que vemos normalmente. O que eu vejo normalmente é que eu estou parado, e eu mesmo me movo. O passarinho está parado e ele mesmo se move. O cachorro está com a boca fechada e ele mesmo abre a boca para morder o bife. Aliás, como sabemos, a própria biologia define a vida como o auto-movimento.
Então, o que quer dizer que “tudo o que se move, é movido por outro”?
Começamos a entender essa frase quando a formulamos assim: “todo ente que se move, é movido por outro ente”.
Quando olhamos para uma pessoa e dizemos que ela se auto-move, estamos olhando de uma maneira superficial. Na verdade, quando ela se move acontece assim: seu comando do cérebro que estava parado para mandar a informação de mover o pé, foi movido pelo seu ser; por sua vez o músculo que estava parado para mover o pé, foi movido pelo impulso do cérebro; e, por fim, o pé que estava parado para se locomover foi movido pelo músculo. Esta é ainda uma explicação bem superficial, mas já dá para ver as partes menores, os entes (que é tudo aquilo que existe como dissemos acima) entrando em jogo no movimento.
Agora o que temos que provar é algo assim: se o pé se locomoveu, porque não é o próprio pé que dá o movimento a ele? Por uma razão muito simples: pelo princípio da identidade. Como dissemos no princípio de identidade algo não pode ser e não ser ao mesmo ao tempo, sob o mesmo aspecto. Se o pé desse movimento a si mesmo ele, em algum momento, estaria parado e andando ao mesmo tempo. E isso é impossível. Algo não pode estar parado e andando ao mesmo tempo, algo não pode estar falando e não falando ao mesmo tempo etc.
Provemos, de um modo mais formal, “que tudo o que se move é movido por outro”:
1. Sabemos que é verdadeiro o princípio da identidade (algo não pode estar em ato e potência ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto).
2. Sabemos, por outro lado, que o movimento é a passagem da potência ao ato (referente ao mesmo aspecto: por exemplo falar, andar, cantar, etc.).
3. Ora: se algo se moveu, este, num dado momento, enquanto estava em potência (de pensar, por exemplo) começou a ter a presença de um ato (de pensar) simultaneamente.
4. Seguindo o princípio da não contradição, vê-se que este ato só pode vir de outro.
5. Conclui-se, portanto, que tudo o que se move, tudo que passa da potência ao ato, é movido por outro, recebe o ato de outro.
Algumas conclusões que se pode tirar desta prova:
Não existe estritamente falando o auto-movimento. Se existisse, forçosamente algo teria que estar em algum momento em ato e potência ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto. Ex: se algo se auto-moveu a falar, por exemplo, em algum momento esteve, ele mesmo, ao mesmo tempo, simultaneamente, em “potência de falar” e “ato de falar”; ora, isto é absurdo!
Toda “potência de algo” será sempre relegada a ser “potência deste algo”. Caso contrário, feriria o princípio da não-contradição.
4. Pronto, agora temos tudo para provar a existência de Deus
Esta prova foi feita por Aristóteles e se chama prova do “motor imóvel” no seu livro da Metafísica (Livro XII).
A elaboração é minha para ficar de uma forma mais fácil e esquemática:
1. Sabemos por experiência que as coisas se movem.
2. Sabemos, por outro lado, que tudo o que se move é movido por outro; assim, se algo se moveu, deve-se a um outro e assim sucessivamente.
3. Não é possível estender ao infinito a série dos motores que por sua vez são movidos.
Explicando um pouquinho porque não se pode estender ao infinito a série de motores que por sua vez são movidos. Uma série de “motores” que “receberam” o movimento e comunicam o movimento não explica que exista o movimento; uma série de potências, ou motores que são potências, não explica a existência do movimento (o movimento é explicado pelo ato, um motor, um ato que está na origem do movimento e foi comunicado às sucessivas potências); uma série infinita de espelhos não explica a luz que está sendo transmitida; uma série de vagões (máquinas que “receberam” o movimento) não explica que eles sejam movidos; uma série de transmissores de energia não explica a energia que está sendo transmitida, é preciso ter uma fonte (dessa energia)
Uma outra forma de explicar que não se pode proceder ao infinito é pensando que o infinito é um conceito matemático, formal, que não explica o movimento real. Dado um movimento real, uma série de motores-movidos reais, é preciso encontrar uma causa real para tal movimento. Se algo se moveu realmente, algo real deve explicar esse movimento. Eu não posso dizer que é uma cadeia infinita que provocou ele, pois a cadeia infinita é uma ideia, uma abstração e não algo real.
4. Assim, deve existir um motor imóvel que move a todos os outros, sem ser movido.
Vejam como Tomás de Aquino elabora essa demonstração:
“A primeira e mais manifesta via (para provar a existência de Deus) é a do movimento. É inegável e se comprova pelo testemunho dos sentidos, que neste mundo existem coisas que se movem. Assim sendo, tudo o que se move é movido por outro, já que nada se move quando está em potência, pois mover requer estar em ato, mover é fazer passar algo da potência ao ato. Isto só pode ser feito por algo que está em ato, por exemplo; o calor em ato, como o fogo, faz a madeira, que é calor em potência, ser calor em ato, e por isto o move e o altera”. Mas não é possível que uma coisa esteja ao mesmo tempo em ato e em potência sob o mesmo aspecto; o que é calor em ato não pode ser ao mesmo tempo calor em potência. Consequentemente, é impossível que algo seja, sob o mesmo aspecto, motor e movido, isto é, que se mova a si mesmo. Portanto, tudo o que se move é movido por outro. Mas, se aquilo pelo qual se move é também movido, é necessário que se mova por outro, e este por outro. Como não se pode proceder até o infinito, porque então não haveria primeiro motor e, consequentemente, nenhum outro motor, visto que os motores segundos não movem mas são movidos pelo primeiro, como o báculo, que só se move quando movido pela mão. Por tanto, é necessário chegar a um primeiro motor que não seja movido por ninguém e, por este, todos entendem a Deus (Suma Teológica I, q. 2, a. 3).
Para Aristóteles e para Tomás de Aquino que sabiam muito de filosofia a prova já está demonstrada: o primeiro “motor imóvel” é Deus. Mas para quem não conhece tão bem filosofia é preciso explicar um pouquinho porque o “motor imóvel” é Deus.
Em filosofia chamamos Deus:
– “aquele que tem o ser por si mesmo” (Ipse esse subsistens), aquele que tem em si a explicação da sua existência, ou seja, ninguém o criou, não depende de nada nem ninguém para existir;
– aquele do qual tudo vem;
– aquele que possui a plenitude do ser.
Sabendo disso, expliquemos por que o “motor imóvel” é Deus:
Se é motor imóvel, nada o move e ele é o motor de tudo, logo é Deus;
Se é um motor imóvel, e todos os movimentos provém dele, e não depende de nenhum outro para mover todo e qualquer movimento, então não possui nenhuma potência. Não tendo nenhuma potência, é puro ato, ou ato puro. E como Tomás de Aquino nos ensinou, o ato se identifica com o ser, que é o ato de todos os atos. Então se é ato puro é um ser puro, ou puro ser, sem nenhuma potência. E aquele que tem o ser em plenitude é Deus, como Ele mesmo disse a Moisés junto à sarça ardente: “Eu sou aquele que sou” (Êxodo 3, 14).
Se é um motor imóvel e todos os movimentos que vemos, inclusive a existência, provém dele sem depender de ninguém, então ele tem o ser por si mesmo. E aquele a quem tem o ser por si mesmo, chamamos Deus.
Fantástico!!! Acabamos de provar racionalmente a existência de Deus!!! Como falamos acima nós saímos do plano daqui debaixo, partindo da experiência que existe o movimento, e fomos fazendo um encadeamento lógico-racional até chegar na última causa desse movimento que é Deus. Fizemos um caminho que é observar um efeito e buscar a sua causa última.
Tomás de Aquino além da demonstração da existência de Deus partindo da ideia de movimento, fez outras demonstrações conhecidas como vias para provar a existência de Deus. A primeira é esta do motor imóvel. A segunda é a da causa incausada. A terceira é a da contingência da coisas. A quarta é a da perfeição dos seres. A quinta é da finalidade dos seres.
5. Consequências importantes que podemos tirar dessa demonstração da existência de Deus
Uma primeira consequência é que Deus cria todos os seres. Se Deus é o responsável por todo o movimento e um deles é a passagem da potência de existir para o ato de existir, logo Deus cria todos os seres, dando-lhes o “ato de ser”, como nos falava Tomás de Aquino.
Se Deus dá o “ato de ser”, nossa existência depende totalmente dEle de modo que se Ele retirar o nosso “ato de ser” voltamos imediatamente ao nada. Logo Deus não só nos cria, como também nos sustenta continuamente. Por isso dizemos que a criação se identifica com a conservação dos seres.
Outra consequência é que nosso ato de ser dever diretamente de Deus e não de um ser intermediário. Isso é assim, pois:
Consideremos todos os seres que não se identificam com o Ato Puro: ou seja, todas aqueles que para existirem receberam o ser, porque o ser não lhes é próprio.
Ora, se o ser não lhes é próprio, se receberam e estão sendo sustentados no ser, em nenhuma hipótese poderão dar o ser, pois isto feriria o princípio da não-contradição (a potência de existir não pode ser ato de existir em nenhum momento). Logo, só quem tem o ser como próprio pode dar o ser.
Uma última conclusão interessante é que só existe propriamente um ato e este ato é o Ato Puro de Ser de Deus. O resto de todo o universo criado é potência que recebe o ato de Deus para qualquer movimento.